segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Olhares sobre a arte pública – grafite x pichação: diferenças e semelhanças

Priscila Anversa
E.E.B. Aldo Câmara da Silva
São José - SC


A proposta consistiu em abordar o movimento Hip-hop e seus segmentos, direcionando às artes visuais. Foi proposto um olhar para a arte pública da cidade, dando enfoque ao grafite.

O projeto atendeu aos alunos da sexta série do Ensino Fundamental da E.E.B. Aldo Câmara da Silva.

As crianças (e a comunidade em geral) prestigiam pouco o grafite, porque o que se encontra nos muros, ainda é pichação. É importante conhecer e refletir sobre a cultura visual de seu contexto, possibilitando a diferenciação entre pichação e grafite.

A partir de um diagnóstico realizado por meios de aulas de observação, percebi que os alunos da rede estadual têm como metodologia os Parâmetros Curriculares de Santa Catarina, fundamentando as quatro modalidades artísticas. O conteúdo de música estava sendo ministrado pela professora de sala, e a partir da observação, propus trabalhar com o Hip-hop. Além de ser algo que lhes interessa, é importante conhecer os fundamentos e as origens, e a partir disto, traçar novos conceitos e elaborar produção plástica.

A Arte-educação posicionou os adolescentes para que, além de conhecerem as origens de algo que lhes agrada (hip-hop e grafite), apreciassem os princípios deste tipo de manifestação artística, observando aquilo que está a sua volta (arte urbana) com um olhar mais crítico e possibilitando a diferencianção de grafite e pichação.

A proposta foi mediada pela Abordagem Triangular, de Ana Mae Barbosa, que propõe a contextualização, o fazer artístico e a leitura visual, sem ordem para trabalho, mas com um objetivo a alcançar, que culminou na produção do grafite no muro da escola.

Diferenciar o grafite da pichação foi fundamental para que os alunos desconstruíssem a visão que têm de que grafite é pichação, produzindo uma nova idéia, provida de reflexões sobre arte contemporânea; deste modo, estavam capacitados para construir conceitos e imagens para realizar o grafite no muro.

“... Olhar os muros, descobrir os lugares... há uma diferença fundamental dos artistas da cidade com a intervenção urbana de pessoas que estão fazendo qualquer coisa”. (RAMOS, 1994).

O processo

Introduzi um histórico do RAP, explicando-lhes a origem tanto do hip-hop, quanto do break e do grafite, que estão no mesmo segmento. Os alunos estavam bastante atentos, porque o assunto parecia ser do interesse de todos. Descobriram coisas que desconheciam, como o significado da palavra RAP (rhythm and poetry – ritmo e poesia), e a origem jamaicana (enquanto pensavam ser americana), e também o significado da palavra “mc” (mestre de cerimônia). Quando chegou a vez de falar sobre grafite, comecei a fazer perguntas instigando que participassem. Além de explicar a origem do grafite e como se deu no Brasil, questionei a diferenciação entre pichação e grafite; as respostas foram as que eu esperava, ou seja, todos falaram não tinha diferença, ou não sabiam qual era. Perguntei também onde encontrávamos grafite em nossa comunidade, e todas as referências que eles me deram foram aquelas que mais tarde, eles mesmos concluiriam que não se tratava de grafite, e sim pichação.

Ao final da aula, pedi para que eles observassem a cidade e trouxessem referências de grafite para a próxima aula.

Na aula seguinte, eu trouxe um vídeo sobre a vida do artista Keith Haring. Antes de começar, falei sobre o artista e pedi para que prestassem bastante atenção na produção dele, que vai além do grafite. Comentamos, também, sobre os locais que se encontra grafite em nossa cidade. A maioria deu referências de pichação, e não grafite.

Ao término do documentário, conversamos sobre os aspectos observados. Logicamente, muitos não deglutiram facilmente o que assistiram, julgando certos desenhos e pinturas como feios; porém, todos eles concordaram que Keith Haring fazia obras com significado e tinha um estilo próprio, mesmo nas esculturas e tatuagens. Eles perceberam que muitas obras “falam” dos problemas sociais, e lembraram de um momento no filme em que o artista se preocupa com o uso do “crack” por jovens americanos.

Na terceira aula, mostrei 72 imagens de diversos artistas grafiteiros, para que apontassem as diferenças e as semelhanças entre grafite e pichação. Foi espetacular, porque eles próprios concluíram que o que observaram na comunidade não passa de recados e assinaturas pichados em muros, sem noção de visualidade e preocupação plástica, e sem nenhuma razão de ser.

Na seqüencia, levei fotos que tirei na cidade: um grafite e uma pichação. Eles me surpeenderam quando todos responderam corretamente argumentando o porquê. Nesta aula começamos a discutir sobre o que eles gostariam de grafitar no muro; solicitei para que, em casa, fizessem desenhos e trouxessem para analisarmos, e mesmo aqueles que não gostam de desenhar, poderiam trazer colagens ou simplesmente esboços de idéias.

Assim, vieram desenhos bem interessantes, com bastante significado. Enumeramos os mais instigantes, e citamos algumas palavras-chave que apareceram nas composições, para refazer os desenhos, como os morros e as casas empilhadas, o mensalão, as mortes violentas, o problema das armas. Enquanto uns refaziam os desenhos, outros produziam os moldes (estencil) em acetato para complementar o muro.

Passamos as duas últimas aulas acertantdo detalhes...e numa manhã muito ensolarada, das 8h às 11h, produzimos o grafite, esboçando em carvão primeiramente, e depois com os sprays e tinta acrílica. Todos aprovaram, e o resultado final foi muito gratificante. Sentamos em frente do muro, refletindo sobre a produção, e relatando a experiência única que tiveram: foram críticos de si mesmos, avaliaram os esforços, o que deu certo, o que não funcionou, mas principalmente, o que era semelhante e o que era diferente entre grafite e o trabalho que produziram. Assim foi a avaliação, processual, individual e coletiva, partindo da auto-avaliação.

O início, o processo e a finalização do projeto foi bastante árduo, mas satisfatório. Todas as etapas tiveram situações inesperadas, mas no final, uma boa conclusão.

O que mais me deixou contente foi perceber que os alunos se dedicaram em todos os momentos, uns mais, outros menos, e que o resultado disto, foi a compreensão dos “olhares sobre a arte pública: grafite x pichação – diferenças e semelhanças”.

Referencias Bibliográficas

APPLE, Michael, Educação e poder. Porto Alegre: Artes Médicas, s.d.

BARBOSA, Ana Mae, Arte-Educação, In: ZANINI W.(Org). (1983). História geral da arte no Brasil. Vol. II. Pp. 1077-1094. São Paulo: Instituto Walter Moreira Salles, 1983

BARBOSA, Ana Mae. Inquietações e mudanças no Ensino de Arte. In: MARTINS, Mirian Celeste. Conceitos e terminologia. Aquecendo uma transforma-ação: atitudes e valores no ensino de Arte. Ed. Cortez, 2002, p. 49-93

BARBOSA, Ana Mae. Tópicos Utópicos. Belo Horizonte:C / Arte, 1998.

GALLO, Sílvio. Educação e interdisciplinaridade. In: Impulso, vol. 7, nº16. Piracicaba: Ed. Unimep, p. 157-163, 1994.

RAMOS, Célia Maria Antonacci. Grafite, pichação Cia. São Paulo: ANABLUME, 1994.


FONTE : http://www.artenaescola.org.br/sala_relatos_artigo.php?id=347

Um comentário:

  1. É perfeito essa prática-metodológica-dialógica que usaste, e como foste conduzindo os encontros resultou nesse processo social associativo singularizante, a essência para que funcione com um novo olhar sobre o ensinar-aprendendo!!!
    Parabéns pelo seu trabalho!!!
    Sei o quanto é difícil abrir espaço em escolas nada solidárias e muitas vezes frias...
    É preciso ter mais que coragem, é preciso acreditar que é possível, e fazer!!! Você com seus alunos praticou e viu como é possível!!!
    Árduo, com muitas situações para não dar certo! Parabéns por ousar!!!
    Um forte abraço... rsrsrsrsrsrrsrrssrrrsrsrrs

    P.S. Você fotografou ou filmou o grafite?

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