Durante os dias 17, 18 e 19 de maio foi realizada em território indígena Xukurú, situado na área rural do município pernambucano de Pesqueira, a IX Assembléia do Povo Xukurú do Ororubá, sob o tema central de ?Fortalecer a organização para enfrentar a criminalização?.
A Assembléia do povo Xukurú configura-se como uma reunião de magnitude política e acontece desde o ano de 2001. Além de contar com a participação de representantes das 23 comunidades, cumprindo importante função social, cultural e política e fortalecendo o processo organizativo do grupo, recebe lideranças e representantes de outros povos indígenas do Nordeste, bem como a assessoria e participação de organizações indigenistas e de outros simpatizantes. A Assembléia Xukurú nasceu da necessidade de manter uma articulação gestada pelo Cacique Xicão, assassinado no ano de 1998 a mando de latifundiários e políticos da região agreste pernambucana. Xicão foi um dos grandes contribuintes da difusão da política de ?retomada? do território tradicional, alavancada pelos grupos indígenas no Nordeste, principalmente em fins dos anos 1980, junto à luta pelas mudanças constitucionais de 1988 e sendo seguida pelos anos 1990 até os recentes dias.
Os Xukurú, a partir da força de articulação política do cacique Xicão, da ativação da religiosidade indígena dada por guias religiosos da comunidade e também através de outros personagens Xukurú e do apoio da rede indigenista de apoio, iniciaram no início dos anos 1990 um processo de retomada de terras que levou a cabo uma guerra contra o latifúndio e a indústria do turismo regional. Foram quase 28 mil hectares reconquistados para um território onde vivem mais de dez mil indígenas e que só foi homologado há pouco mais de quatro anos. Este foi e se trata de um árduo caminho para várias lideranças e pessoas parceiras à luta do povo Xukurú. Seis pessoas foram assassinadas nos últimos anos, um dado que reflete o descaso do Estado com relação à questão indígena em nosso país.
Mesmo vivenciando um absurdo histórico de violência contra interlocutores do movimento, a tenacidade e a capacidade de resistência dos Xukurú pode ser observada no olhar de cada indígena, em sua expressão de auto-reconhecimento como povo e coletividade que compartilha um passado comum de exploração e que é comungado na expressão do toré, símbolo dessa resistência, ritual indígena de atividade secular entre as populações indígenas no Nordeste e que hoje se ressignifica enquanto ponte de ativação de força e de legitimação da identidade.
Atualmente, com mais de 90% de seu território original demarcado e buscando levar uma existência com dignidade, produzindo nos moldes da agricultura familiar e preservando suas matas e bosques, os Xukurú sofrem intenso acosso por parte da ressentida elite econômica e política local que teve sua terra desapropriada e que se vê ameaçada pelo vigoroso processo de organização e politização que alcança o movimento indígena no estado. Para conter esse processo a oligarquia local, assessorada e amparada por um significativo corpo de operadores do direito, atuando dentro e fora das agências do estado, acionam mecanismos e instrumentos jurídicos para a produção de acusações e penas sem fundamentos reais. Se tomamos em número, essa recente estratégia política da grande estrutura do poder vem sufocando as comunidades indígenas em suas bases organizativas, impedindo-as de manter seu cotidiano e o mais importante, seu acionamento político de articulação por demandas concretas de sobrevivência e autonomia. Hoje no Brasil, mais de 700 lideranças indígenas vivem sob processo da justiça penal. Podemos destacar o caso dos Cinta-Larga, de Rondônia, onde mais da metade da população de aproximadamente 1.400 pessoas, estão sob os olhos da justiça e respondendo a processo (Brasil de Fato, 06/05/2009). No Nordeste, destacamos os Xukurú e os Truká em Pernambuco e os Tupinambá, na Bahia, como povos que vêm enfrentando essa mesma guerra; guerra promovida pelo aparato da burocratização latifundiária e amparada pelo Estado de Direito.
Nos Xukurú, 26 lideranças estão sob processo na justiça e dentre os quais duas já estão presas há um ano e meio. No dia 21 de maio saiu a sentença de prisão preventiva ao Cacique Marcos Luídson, filho de Xicão, que é uma das lideranças que sofrem perseguição política. Todo esse mosaico de conflitos é reflexo do processo de retomada de terras e as acusações são as mais diversas possíveis: crimes que vão desde roubos, depredação de patrimônio privado, incitação à desordem até homicídio. O que vale ressaltar, porém, é que as sentenças públicas recentemente postas pela Justiça de Pernambuco seguem uma corrente de arbitrariedades, já que nenhum dos casos até hoje foram esclarecidos em júri. O cacique Marcos, por exemplo, foi sentenciado à pena de 10 anos e 4 meses antes mesmo de serem ouvidas suas testemunhas de defesa (CIMI, 28/05/2009).
A chamada ?criminalização? da luta indígena passa assim pela manipulação de fatos e fabricação de denúncias veiculadas pela grande mídia corporativa, e articuladas com ações legais como processos e ordens de apreensão. A estratégia da oligarquia local implica em produzir e difundir uma imagem do ?índio bandido? e neutralizar a capacidade organizativa dos Xukurú mediante o aprisionamento dos seus mais ativos quadros e lideranças.
A partir de uma rede de alianças firmada na IX Assembléia e continuada por antigos parceiros do movimento indígena no Nordeste, estão sendo planejadas ações que levem para o centro da sociedade envolvente o debate sobre a criminalização e a perseguição política por quais passam líderes de comunidades indígenas e para que também se multipliquem parcerias e coletivos de apoio. Na próxima sexta-feira, dia 05 de junho, às 14 horas, haverá em Recife, uma caminhada de protesto pela sentença dada ao cacique Marcos Xukurú e pela extensão das penas às outras duas lideranças já presas. A caminhada sairá do Parque 13 de Maio, no centro da cidade e se estenderá até o Palácio da Justiça. Esta é a primeira de uma série de atividades que estão sendo pensadas pela rede de ativistas que trabalham em parceria com o movimento indígena no Nordeste. A idéia é difundir a problemática e denunciar as estratégias do Estado na sua brutal e vergonhosa tentativa de desarticular os povos indígenas em seu processo de luta pela autonomia de fato.
Mas a 9ª Assembléia, mesmo orbitando em torno da problemática da criminalização, debateu outros temas de igual importância para o atual estágio da luta indígena Xukurú, como as questões de saúde e educação indígena, a produção e a formação de lideranças. Nesse sentido foi interessante acompanhar o processo de reflexão levado a cabo pelos próprios indígenas acerca dos avanços e obstáculos de seus programas e projetos, a avaliação das atividades existentes e o levantamento de novas demandas para futuros projetos.
É uma exigência do nosso tempo, portanto, reconhecer que a cidadania indígena é um fator extra e emergente no corrente processo de complexificação da sociedade brasileira, e se garantida pelo reconhecimento legal, ainda que realizada pelas ?vias de fato?, os processos de autonomia e autogoverno em gérmen podem se desenvolver em território indígena e assim oxigenar todo um profundo debate público sobre a necessidade de um projeto radical de democratização da terra, que passa necessariamente pela democratização da economia e da própria política.
FONTE : http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2009/06/448365.shtml
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