quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Documentário mostra o olhar clarividente de Milton Santos sobre "o sequestro da globalização"


Entre cenas de protestos de cocaleiros bolivianos, passeatas do Fórum Social Mundial e jovens artistas do hip-hop nas periferias brasileiras, o filme se sustenta na crítica do geógrafo aos rumos do processo de globalização. Milton dizia que nunca houve condições tecnológicas tão boas para o desenvolvimento da humanidade. Só que essas condições foram seqüestradas por um grupo de empresas.

Uma perspectiva periférica da globalização, a partir do olhar clarividente de um dos maiores intelectuais brasileiros. De acordo com o cineasta Silvio Tendler, esse é o foco do documentário "Encontro com Milton Santos ou O mundo global visto do lado de cá', que estreou na sexta-feira (17/08) em salas de São Paulo, Rio de Janeiro, Santos e Campinas. O filme, que em 2006 venceu o Festival de Brasília do Cinema Brasileiro na categoria júri popular, tem como eixo condutor um registro precioso: a última entrevista do geógrafo Milton Santos, realizada em janeiro de 2001, cinco meses antes de sua morte.

“O filme não pretende ser uma síntese do pensamento de Milton Santos. É um diálogo comigo, no qual ele conduz seu brilhante raciocínio sobre a globalização, enquanto eu procuro ilustrar esse pensamento com exemplos na vida real”, disse Tendler à Agência FAPESP.

Entre cenas de protestos de cocaleiros bolivianos, passeatas do Fórum Social Mundial e jovens artistas do hip-hop nas periferias brasileiras, o filme se sustenta na crítica do geógrafo aos rumos do processo de globalização. “Ele dizia que nunca houve no mundo condições tecnológicas tão boas para o desenvolvimento da humanidade. Só que essas condições foram seqüestradas por um grupo de empresas. Cabe, portanto, à humanidade redirecionar a globalização para que ela seja conveniente para todos”, disse Tendler.

O documentário começou a nascer em 1995, quando o cineasta filmava o média-metragem Josué de Castro – Cidadão do mundo. “Fui a Paris colher um depoimento de Milton Santos, que tinha uma relação próxima com Josué. Não o conhecia ainda. Foi a entrevista mais difícil da minha vida para cortar, porque tudo o que ele dizia era brilhante”, contou.

Cineasta e geógrafo se encontraram em diversas ocasiões, quando Tendler propôs a Santos uma entrevista sobre globalização. O professor o recebeu em sua sala na Universidade de São Paulo, no dia 4 de janeiro de 2001. “Ele já estava gravemente doente, mas me recebeu e deu uma longuíssima entrevista. Foi um depoimento muito forte, que marcou a minha vida para sempre. Quando terminei, vi que aquilo era um filme por si só”, destacou o cineasta.

Estudo e intuição
Tendler conta que fez o filme com poucos recursos. Foi de ônibus do Rio de Janeiro, onde mora, a São Paulo, para fazer a entrevista. Levou um único assistente e uma câmera digital de tecnologia defasada. “Em um determinado momento, comecei a ficar preocupado com o contraste entre a genialidade de tudo o que ele me dizia e a indigência da minha estrutura”, afirmou.

Na própria entrevista, no entanto, o geógrafo fez uma afirmação otimista: “coisas fundamentais podem ser feitas com parcos recursos”. “Ilustrei isso mostrando meninos de uma área pobre do Rio de Janeiro que fizeram um lindo filme com uma câmera barata, improvisando travellings em uma cadeira velha de escritório e usando um cabo de vassoura como tripé”, contou.

Partidos políticos que perdem a ideologia, crises da democracia, desestruturação das esquerdas: tudo o que Santos dizia em 2001 foi emergindo na realidade brasileira e mundial ao longo dos anos, de acordo com Tendler. Para ele, o geógrafo era um clarividente, alguém que associa o estudo e a intuição para mergulhar na complexidade da realidade e fazer emergir uma visão cristalina. “O pensamento dele é muito complexo e ele não tenta simplificar as coisas. Propositalmente, como se fosse um mágico, vai nos conduzindo às suas idéias. O filme é um diálogo, mas não usei esse termo no título. Preferi ‘encontro’, porque não tenho estatura científica para me colocar no patamar dele”, declarou.

Uma vez pronta a entrevista, o restante do processo de filmagem e edição durou cinco anos. “Como quase todos os meus filmes, é um quebra-cabeça. Não tento simplificar o processo de produção, nem tenho pretensão de inovar na linguagem cinematográfica. O objetivo é me comunicar com os espectadores”, declarou. Tendler é autor de longa-metragens como Os Anos JK – Uma trajetória política (1980), Jango (1984), Castro Alves – Retrato falado do poeta (1998) e Glauber – Labirinto do Brasil(2002).

http://www.terramar.org.br/oktiva.net/1320/nota/57093

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