terça-feira, 11 de novembro de 2008

O direito de resposta: kafkiano-OBSERVATÓRIO DA IMPRENSA

O direito de resposta: kafkiano

Por Celso Lungaretti em 11/11/2008


Um dos contos mais perturbadores de Kafka é "A Porta da Justiça", sobre o cidadão que chega à dita cuja e é impedido de entrar pelo brutamontes que a guarda. Este adverte que, se o pleiteante conseguir passar por ele, terá pela frente guardiães ainda mais ameaçadores.

O homem que busca justiça se conforma e lá permanece resignadamente, à espera de que lhe seja permitido o acesso. O tempo passa, sua saúde se deteriora. Quando está agonizando, pergunta ao guarda para que servia, afinal, aquela porta, já que ninguém mais tentara passar por ela.

Recebe a resposta de que aquela porta se destinava exclusivamente a ele. Com sua morte, seria fechada para sempre.

Eu enfrento situação similar diante da porta do direito de resposta na Folha de S.Paulo.

Em meados de 1994, fui acusado de delator da área de treinamento guerrilheiro da VPR em Registro, na capa da "Ilustrada", por Marcelo Paiva. A editora me concedeu o direito de resposta, mas o Paiva contra-atacou. Reivindiquei, então, o direito que o Manual de Redação da própria Folha me assegurava, de uma intervenção final.

Gravíssimo erro

A editora tentou esquivar-se, pretextando falta de espaço. A então ombudsman, bizarramente, endossou sua posição. Então, tive de me dirigir diretamente ao diretor de redação, Otavio Frias Filho, para que o jornal honrasse o compromisso publicamente assumido com os alvejados em espaço editorial.

Desde então, sofro uma retaliação mesquinha da Folha, que há 14 anos me nega o direito pleno de resposta e de apresentar o "outro lado" em assuntos que me tocam diretamente. Uma regra não escrita do jornal é a de que as queixas e esclarecimentos de Celso Lungaretti sejam relegadas, em quaisquer circunstâncias, ao "Painel do Leitor".

O exemplo mais gritante de desrespeito às boas práticas jornalísticas ocorreu no final de 2004, quando encontrei num relatório secreto militar a prova cabal de que houvera sido falsamente acusado por Marcelo Paiva dez anos e meio antes. Como, naquela ocasião, não houvesse elementos para elucidação plena da questão – ficara minha palavra contra a de Paiva –, o certo teria sido o jornal reconhecer, com idêntico destaque, o gravíssimo erro cometido.

Só restou o jus esperneandi

A resposta da Folha foi me colocar em contato com o responsável pela sucursal do Rio de Janeiro, que prometeu esclarecer o assunto,mas ficou ganhando tempo até que o jornal recebeu uma carta de Jacob Gorender, admitindo que fora levado a encampar uma versão falsa em seu livro Combate nas Trevas e esclarecendo que nenhuma culpa verdadeiramente me cabia no episódio de que eu era acusado.

A Folha, então, me comunicou que considerava a publicação da carta do Gorender no "Painel do Leitor" como satisfação suficiente a mim, dando o caso por encerrado. Qualquer jornalista sabe, entretanto, que o Gorender, com a dignidade que lhe é inerente, corrigiu a informação que ele próprio dera. A Folha, ao publicar o mea-culpa do historiador, não definiu sua própria posição, não admitiu que errara nem se desculpou comigo.

Como não existisse mais a possibilidade de uma ação por danos morais (já prescrevera) e eu não estivesse em condições de custear advogado apenas para fazer valer meu direito de ver a retificação publicada com o mesmo destaque da desinformação injuriosa, só me restou exercer o jus esperneandi em tribunas não pertencentes à grande imprensa (como este Observatório).

O cesto de lixo como destino

E, em meia-dúzia de ocasiões, a Folha me negou espaço adequado para fazer a defesa da memória da luta armada e dos companheiros que dela participaram, embora eu seja o veterano da resistência mais identificado publicamente com esse papel nos dias de hoje.

Minhas contestações irrefutáveis àquilo que o jornal publicara sobre a reparação à família de Carlos Lamarca e ao uso do entulho autoritário, por parte de Elio Gaspari, como argumento para satanizar personagens históricos, foram arbitrariamente sonegadas dos leitores da Folha.

No entanto, os espaços na página de opinião são sempre generosamente concedidos para os porta-vozes da direita mais reacionária e primária.

No último dia 7, foi a vez de Jarbas Passarinho despejar sua bílis na seção Tendência/Debates, insistindo no conceito que os serviços de guerra psicológica das Forças Armada plantaram na opinião pública, de forma goebbeliana, durante a ditadura, de que atos de legítima resistência à tirania equivaleriam a "terrorismo".

Em meu próprio nome e no dos companheiros vivos e mortos que foram caluniados como terroristas, encaminhei ao ombudsman da Folha e ao diretor de redação um artigo com extensão equivalente, refutando o do ex-ministro de Médici e signatário do AI-5.

Por enquanto, seu destino está sendo o de todos os anteriores: o cesto de lixo.

Ou seja, a porta do direito de resposta está aberta, mas é só para constar, pois há 14 anos o guardião impede minha passagem. E, um dia, a fecharão definitivamente.

http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=511IMQ003

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