quinta-feira, 27 de setembro de 2007













Maurício Tragtenberg

e a Pedagogia Libertária*

Resumo:
Nosso objetivo é resgatar o pensamento político-pedagógico de Maurício Tragtenberg. De um lado, a crítica incisiva que desvenda o modelo pedagógico burocrático fundado na vigilância e na punição, na relação de dominação, no saber formal transformado em mercadoria de consumo, uma pedagogia que predomina na maioria das nossas escolas e universidades. De outro, o itinerário de uma alternativa pedagógica libertária, recuperada e sintetizada na práxis do educador contemporâneo. No final do percurso, a certeza da sua atualidade.

O modelo pedagógico-burocrático: vigiar e punir
A peculiaridade da pedagogia libertária se expressa pelo questionamento de toda e qualquer relação de poder estabelecida no processo educativo e das estruturas que proporcionam as condições para que estas relações se reproduzam no cotidiano das instituições escolares. É de conhecimento geral, a tese de que a interação entre os diversos personagens que atuam no espaço escolar reproduzem as relações sociais predominantes na sociedade.
Deste ponto de vista, Tragtenberg se coloca a seguinte questão: "conhecer como essas relações se processam e qual o pano de fundo de idéias e conceitos que permitem que elas se realizem de fato". Sua análise busca apreender como a escola atua enquanto "poder disciplinador" pois, conforme afirma o filósofo Michel Foucault, "a escola é o espaço onde o poder disciplinar produz saber". (TRAGTENBERG, 1985: 40)
Como surge esta situação? As origens desta instituição disciplinar remonta às necessidades de controle da força de trabalho e, simultaneamente, das exigências técnicas administrativas produzidas pelo avanço da revolução industrial. Não por acaso, os métodos de controle do operário assemelham-se àqueles utilizados no âmbito do espaço escolar: delimitação e enquadramento do tempo e da forma como este deve ser utilizado; e, domínio dos processos, gestos, atitudes e comportamentos. (estes métodos foram ainda mais intensificados com a adoção do taylorismo). A fusão de um saber, constantemente acumulado e renovado pela própria natureza da instituição escolar, com as técnicas disciplinadoras-burocráticas herdados dos presídios avultam os efeitos da concentração do poder de dominação e controle. A escola, através do saber, aperfeiçoa os meios de controle, podendo dar-se ao luxo de dispensar o recurso à força. A própria prática de ensino pedagógica-burocrática permite-o, na medida em que reduz o aluno ao papel de mero receptáculo de conhecimento, fixa uma hierarquia rígida e burocrática na qual o principal interessado encontra-se numa posição submissa e desenvolve meios para manter o aluno sob vigilância permanente (diário de classe, boletins individuais de avaliação, uso de uniformes modelos, disposição das carteiras na sala de aula, culto à obediência, à superioridade do professor etc.).
Nesta estrutura escolar, o poder de punir é legitimado e concebido como natural. Como salienta Tragtenberg: "Na escola, ser observado, olhado, contado detalhadamente passa a ser um meio de controle, de dominação, um método para documentar individualidades. A criação desse campo documentário permitiu a entrada do indivíduo no campo do saber e, logicamente, um novo tipo de poder emergiu sobre os corpos". (Idem)

A prática de ensino resume-se, então, à transmissão de um conhecimento 'superior' (no sentido de estar sob domínio professoral) e à adoção de técnicas de memorização de conteúdos. Um conhecimento, portanto, formal e selecionado à revelia dos diretamente interessados e passível de questionamento quanto à sua própria utilidade.
Tudo isto pode ser resumido em: vigiar e punir. De fato, esta prática de ensino objetiva, essencialmente, a produção de "corpos submissos, exercitados e dóceis". A estrutura escolar, em nome da transmissão do conhecimento, termina por domesticar o aluno, diferenciar os bons dos maus, salientar e reforçar a imagem negativa dos rebeldes, 'problemáticos', estigmatizando uns e outros, recompensando os primeiros, punindo os segundos com a repetência e/ou a exclusão. O ensino do conteúdo torna-se em si um meio para tal.
O sistema de exames é a pedra angular deste edifício. A avaliação do aluno reduz-se à aplicação da prova, tornando-se um fim em si mesma. O objetivo principal, a produção e transmissão do conhecimento, é secundarizado. Sem alternativas, o aluno submete-se ao exame, memoriza o conteúdo para tirar uma boa nota. Mas, o que prova a prova senão apenas o ridículo fato de que ao aluno sabe fazê-la? Por acaso, o exame dado nestas condições prova o saber do aluno? (...)

POR ANTONIO OZAÍ DA SILVA
Docente na Universidade Estadual de Maringá (UEM), autor de História das Tendências no Brasil (Origens, cisões e propostas), Proposta Editora, 1987; e, de Partido de massa e partido de quadros: a social-democracia e o PT, São Paulo, CPV, 1996; membro do NEILS

*** CONTINUE LENDO EM:
http://www.espacoacademico.com.br/032/32pc_tragtenberg.htm

* Publicado originalmente na Revista Lutas Sociais, 6, 2º semestre de 1999, pp. 07-20, do Núcleo de Estudos de Ideologia e Lutas Sociais (NEILS) e Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais da PUC/SP.

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