por Pablo Ortellado
(...)Por último gostaria de mencionar os movimentos, sobretudo os movimentos indígenas e camponeses. Eu os deixei por último, deliberadamente, porque a história que eles vão contar é a única que quase todos os diferentes atores desse movimento plural não hesitarão em partilhar. Como todos sabem, em 1994, no dia em que o NAFTA, o Tratado de Livre-Comércio da América do Norte entrou em vigor, aconteceu um inesperado levante de indígenas na região de Chiapas, no México. Tudo o que se passava e daí em diante se passou em Chiapas foi de tamanha inspiração para o mundo que embora infinitamente inferiores militarmente ao exército nacional, o governo mexicano nunca teve coragem de comprar as conseqüências de um ataque militar massivo na região. Esse levante dos mais oprimidos e necessitados, com práticas exemplares de democracia direta, igualdade entre os gêneros e autonomia, inspiraram a esquerda em todo o mundo. Quase que imediatamente e espontaneamente, comitês de solidariedade aos zapatistas se espalharam pelos quatro cantos. Se um evento realmente merece aparecer como pioneiro do “movimento anti-globalização” esse evento foi o levante zapatista.
Num artigo de grande repercussão publicado na Monthly Review, a historiadora Barbara Epstein fala da forte influência das idéias anarquistas no movimento anti-globalização. Claro, ela está se referindo especificamente aos Estados Unidos e ao movimento de ação direta e o que estou chamando de “ativismo de campanha”. Hoje, nos Estados Unidos, a “comunidade” de ativistas radicais é formada por pessoas que normalmente se definem como anarquistas. Claro, não se trata de um anarquismo clássico, mas de um anarquismo difuso, baseado em idéias gerais de descentralização, democracia direta e decisão por consenso e uma desconfiança generalizada na autoridade. Há, é verdade, no seio dessa comunidade, um núcleo duro de anarquistas revolucionários, mas eles são apenas uma parcela dos ativistas “anarquistas” (assim, com aspas). Na maior parte do mundo, é o anarquismo, enquanto filosofia geral, que inspira essas práticas de organização de base e ação direta e oferece identidade política para os grupos. No entanto, há lugares em que uma parte considerável do movimento é de origem marxista (caso da Itália) ou se define especificamente como autonomista (Itália, Alemanha, Holanda) em oposição aberta às formas clássicas do marxismo e do anarquismo revolucionários.
Saindo da esfera dos ativistas jovens, temos um universo ideológico igualmente frágil. Na verdade, o fim dos regimes ditos “socialistas” deixou muita gente sem rumo e há uma enorme dispersão e inconsistência ideológica na esquerda. Com a exceção dos grupos trotskistas e anarquistas revolucionários, a maior parte da “esquerda” que participa do movimento não tem uma ideologia clara definida. Em geral, tanto os sindicatos quanto as ONGs mais militantes têm referências teóricas marxistas vagas e dificilmente se encontra uma organização com ideologia marxista ortodoxa em qualquer das variantes do marxismo. Alguma ortodoxia ou coerência doutrinária só pode ser encontrada nos poucos grupos trotskistas que tem se envolvido no movimento e nos grupos anarquistas sindicais e revolucionários.(...)
Artigo Publicado originalmente no site do CMI - Centro de Mídia Independente: http://www.midiaindependente.com.br e reproduzido com autorização do autor.
*Pablo Ortellado é Ativista do Centro de Mídia Independente e Doutor em Filosofia/USP.
http://www.arteeanarquia.xpg.com.br/aproximacoes_ao_movimento_antiglobalizacao_pablo_ortellado.htm
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