quarta-feira, 27 de agosto de 2008

RAPOSA SERRA DO SOL - "BRASIL DE FATO" (clique aqui)


“Se o Supremo aplicar o que exige, estaremos tranqüilos”, afirma a advogada indígena

por Michelle Amaral da SilvaÚltima modificação 27/08/2008 15:00

Depois de mais de 30 anos de resistência dos cinco povos que vivem na reserva, a decisão poderá reafirmar o que está previsto na Constituição de 1988, ou abrir precedentes para que não apenas os povos da TIRSS percam o direito da demarcação contínua, como também servirá de precedente para o questionamento de outras áreas indígenas



Eduardo Sales de Lima,

Da Redação

Leia mais:

Carta aos ministros do STF sobre Raposa Serra do Sol


O Supremo Tribunal Federal (STF) julgará nessa quarta-feira (27), a ação que pede a anulação da portaria do Ministério da Justiça que determina os limites da Terra Indígena Raposa Serra do Sol (TIRSS). Depois de mais de 30 anos de resistência dos cinco povos que vivem na reserva (Macuxi, Wapixana, Ingaricó, Patamona e Taurepang), a decisão poderá reafirmar o que está previsto na Constituição de 1988 ou abrir precedentes para que não apenas os povos da TIRSS percam o direito da demarcação contínua, como também servirá de precedente para o questionamento da demarcação de outras áreas indígenas.


O ministro Marco Aurélio Mello afirmou que se o STF fixar que a demarcação será setorizada por ilhas, tal política se estenderá a todo o território brasileiro. Além do caso da Raposa Serra Serra do Sol, existem mais 144 ações na corte envolvendo terras indígenas na Bahia, Pará, Paraíba, Distrito Federal e Rio Grande do Sul.


No entanto, a defesa dos povos indígenas será baseada na própria Constituição Federal. “Se o Supremo aplicar o que já exige, estaremos tranqüilos”. É o que diz, em entrevista ao Brasil de Fato, a primeira índia a se formar em direito no País, a wapixana Joênia Batista de Carvalho, que protocolou o pedido para ser a primeira advogada índia a defender oralmente uma causa no Supremo Tribunal Federal.


Apesar do otimismo, Joênia acredita que uma decisão desfavorável aos indígenas poderia colocar em risco a vida de seres humanos “que esperam por trinta anos a resolução dessa situação”, além de colocar em risco, também, a conquista de outras terras indígenas.


Brasil de Fato - Como é ser a primeira indígena advogada que vai defender o seu próprio povo?

Joênia Batista de Carvalho- Ainda estamos aguardando a decisão do ministro relator sobre a admissibilidade. Se ocorrer, realmente vai ser um fato histórico. Nunca houve no Supremo um caso tão emblemático para os povos indígenas como a Raposa Serra do Sol. Eu sou wapixana (um dos povos indígenas que vivem na reserva Raposa) e nunca houve um caso de um advogado ou advogada indígena defender o seu povo dentro de uma ação no Supremo. A gente sempre tem visto a União, a Funai fazerem essas defesas, mas realmente é um marco em termos de atuação dos próprios povos indígenas, do protagonismo de defender seus direitos, seus interesses. E eu acho que isso cala a boca de muita gente que fala que os povos indígenas reproduzem discursos de organizações não governamentais estrangeiras. Quando os povos indígenas confiaram em um de seus membros, que no caso sou eu, isso já um avanço e a aplicação, na prática, da lei que permite que os povos indígenas possam ter legitimidade em ações em outras instâncias que tratam dos seus direitos.


Um dos argumentos utilizados dos arrozeiros é que não existe união entre as tribos e que as ongs estrangeiras exercem grande influência sobre essa questão e em relação a vários outros temas. O que ocorre, de fato, na terra indígena Raposa Serra do Sol?

Na minha atuação como advogada, como wapixana, não represento um pensamento único na luta pelas terras. Também estou representando as comunidades Macuxi, wapixana e até mesmo Ingaricó. Só com essa posição formal, a atuação já contra-argumenta e prova que não existe essa fragmentação entre os povos. A|pesar de termos culturas e línguas diferentes, estamos unidos nessa situação porque nos interessa manter a terra da forma como ela foi demarcada. E a gente tem visto que esses são discursos que tentam implantar na mídia, que tentam fazer uma distorção para aparentar para fora de Roraima e para a opinião pública, que existe uma demarcação em área contínua que estaria prejudicando diversos povos. Mas é o contrário. Hoje, os povos indígenas já estão num grau de inter-relação, que se os separarmos, iremos contra os interesses deles. A gente mantém uma economia própria na terra indígena, os laços de família, os casamentos; têm muito macuxi casado com wapixana, e isso não interfere em nada na cultura. Alguns anos atrás, quando se iniciou a exploração das terras indígenas, estes foram muitos massacrados. A solução que encontramos foi reunir os povos justamente para defender a terra. Então, esse argumento de que esses povos diferentes estariam interferindo na fronteira futura e na própria divisão, é mentira.


A pressão política do governo de Roraima e de outros setores faz com que esse julgamento do dia 27 deixe de ser do mérito da questão, e se transforme mais em um julgamento político?

O Supremo é político, né? Mas esse é um caso que tem bastante repercussão nacional e internacional, e onde todo o mundo quer saber qual será o resultado no Supremo, se vai afetar os direitos constitucionais de outros povos indígenas e até mesmo as garantias que nossa Constituição estabeleceu no Artigo 5 em termos de diferença étnica. Para nós, preocupa, sim, que o que esteja em risco sejam essas garantias e que hoje são bastantes claras. Se o papel do Supremo é fiscalizar essas normas, o que esperamos é que ele atue nessa linha, que ele verifique se esses princípios todos presentes na lei maior do país foram aplicadas na demarcação do Terra Indígena Raposa Serra do Sol


Quais são suas expectativas em relação à decisão do Supremo?

É isso que a gente espera, que ele se pronuncie e que resolva definitivamente essa situação. Justamente para não dar margem para que qualquer interessado queira explorar a terra indígena, e que há muitos anos vem tentando negar os direitos indígenas. Se o Supremo for aplicar o que já exige, nós estamos tranqüilos. Mas, se existir uma nova redação para os artigos da Constituição, com artigos que não existem hoje, que é equiparar toneladas de arroz com terras indígenas,ou discutir a possibilidade de mudanças, em termos do Estado de Roraima, aí estaremos perdendo. Esses discursos não são o que estabelecem a Constituição, são discursos puramente políticos, que não tem base legal.


O ministro da Justiça, Tarso Genro, afirma que que a decisão pode abrir um precedentes para que se questione outras demarcações. Você concorda com isso?

Eu acho que sim. A demarcação dos povos indígenas tem que ser feita de acordo com as necessidades dos povos indígenas. E isso já está feito no caso da Raposa Serra do Sol. A gente entende a demarcação como um ato consolidado, mas qualquer outra demarcação que vier pela frente, depois dessa decisão, pode se justamente usar essa decisão como base. É realmente preocupante. Mas as terras indígenas são demarcadas conforme os estudo antropológico, e não podemos retaliar terras indígenas por interesses particulares.


Qual será a reação dos indígenas da Raposa caso a decisão do STF seja uma derrota?

Seria uma decisão histórica, porque na história do reconhecimento formal dos povos indígenas, a gente nunca viu uma decisão de última instância da Justiça que coloque em risco a vida de seres humanos que estão ali esperando já por trinta anos. Também colocaria em risco toda a conquista de outras terras indígenas, por exemplo, a dos Yanomami, Terra Indígena São Marcos.

Mas eu prefiro acreditar que a decisão será positiva. Prefiro acreditar que a decisão não irá afetar esses 30 anos de espera por uma conclusão dos povos q ue vivem na Raposa. A gente ouve dos nossos povos indígenas, que eles tem um lema, que é resistir até o último índio. Eles já esperaram 30 anos, e não vão desistir. Se eles estão vivos até hoje, é por insistência. Se a terra representa a sobrevivência, eles irão lutar para continuar sobrevivendo, mesmo que demore mais 30 anos.
http://www3.brasildefato.com.br/v01/agencia/entrevistas/em-jogo-o-futuro-das-terras-indigena

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