sábado, 29 de setembro de 2007

"Vergonha de

ser Brasileiro"

AFFONSO ROMANO DE SANT'ANNA
(Poema escrito a quase duas décadas)

(Projeto de Constituição atribuído a Capistrano de Abreu:

"Art. 1º - Todo brasileiro deve ter vergonha na cara.
Parágrafo único: Revogam-se as disposições em contrário")

Que vergonha, meu Deus! ser brasileiro
e estar crucificado num cruzeiro
erguido num monte de corrupção.

Antes nos matavam de porrada e choque
nas celas da subversão. Agora
nos matam de vergonha e fome
exibindo estatísticas na mão

Estão zombando de mim. Não acredito.
Debocham a viva voz e por escrito.
É abrir jornal, lá vem desgosto.
Cada notícia
- é um vídeo-tapa no rosto.

Cada vez é mais difícil ser brasileiro.
Cada vez é mais difícil ser cavalo
desse Exu perverso
- nesse desgovernado terreiro.

Nunca te vi tamanho abuso.
Estou confuso, obtuso,
com a razão em parafuso:
a honestidade saiu de moda,
a honra caiu de uso.

De hora em hora
a coisa piora:
arruinado o passado,
comprometido o presente,
vai-se o futuro à penhora.
Me lembra antiga história
daquele índio Atahualpa
ante Pizarro - o invasor,
enchendo de ouro a balança
com a ilusão de o seduzir
e conquistar seu amor.

Este é um país esquisito:
onde o ministro se demite
negando a demissão
e os discursos são inflados
pelos ventos da inflação.

Valei-nos Santo Cabral
nessa avessa calmaria
em forma de recessão
e na tempestade da fome
ensinai-me
- a navegação.

Este é o país do diz e do desdiz,
onde o dito é desmentido
no mesmo instante em que é dito.
Não há lingüistica e erudito
que apure o sentido inscrito
nesse discurso invertido.

Aqui
o dito é o não-dito
e já ninguém pergunta
se será o Benedito

Aqui
o discurso se trunca:
o sim é não,
o não, talvez,
o talvez,
- nunca.

Eis o sinal dos tempos:
este é o país produtor
que tanto mais produz
tanto mais é devedor.

Um país exportador
que quanto mais exporta
mais importante se torna
como país
- mau pagador.

E, no entanto, há quem julgue
que somos um bloco alegre
do "Comigo Ninguém Pode",
quando somos um país de cornos mansos
cuja história vai ser bode.

Dar bode, já que nunca deu bolo,
tão prometido pros pobres
em meio a festas e alarde,
onde quem partiu, repartiu,
ficou com a maior parte
deixando pobre o Brasil.

Eis uma situação
totalmente pervertida:
- uma nação que é rica
consegue ficar falida,
- o ouro brota em nosso peito,
mas mendigamos com a mão,
- uma nação encarcerada
doa a chave ao carcereiro
para ficar na prisão.

Cada povo tem o governo que merece?
Ou cada povo
tem os ladrões que a enriquece?
Cada povo tem os ricos que o enobrecem?
Ou cada povo tem os pulhas
que o empobrecem?

O fato é que cada vez mais
mais se entristece esse povo
num rosário de contas e promessas,
num sobe e desce
- de pranto e preces

Ce n'est pas un pays sérieux!
já dizia o general.
O que somos afinal?
Um país pererê? folclórico?
tropical? misturando morte
e carnaval?

- Um povo de degradados?
- FIlhos de degredados
largados no litoral?
- Um povo-macunaíma
sem caráter nacional?

Ou somos um conto de fadas
um engano fabuloso
narrado a um menino bobo,
- história de chapeuzinho
já na barriga do lobo?

Por que só nos contos de fadas
os pobres fracos vencem os ricos ogres?
Por que os ricos dos países pobres
são pobre perto dos ricos
dos países ricos? Por que
os pobres ricos dos países pobres
não se aliam aos pobres dos países pobres
para enfrentar os ricos dos países ricos,
cada vez mais ricos,
mesmo quando investem nos países pobres?

Espelho, espelho meu!
há um país mais perdido que o meu?
Espelho, espelho meu!
há um governo mais omisso que o meu?
Espelho, espelho meu!
há um povo mais passivo que o meu?

E o espelho respondeu
algo que se perdeu
entre o inferno que padeço
e o desencanto do céu.

Fonte: Releituras, Autor: Affonso Romano de Sant´anna, extraído do jornal "O Globo" - Rio de Janeiro

(Diante da pesquisa que aponta F.H.C (presidente da República Fernando Henrique Cardoso) como o brasileiro que mais envergonha o país, o cronista se vê forçado a publicar um texto de 17 anos atrás, atualíssimo) 29/09/2007
http://www.releituras.com/arsant_brasileiro.asp

** Saber fazer críticas extraordinárias,é capacidade fundamental de poucos!como Affonso Romano Sant'Anna,que analisa nosso tempo como ninguém! Mas sei que mais fundamental do que a crítica,é a capacidade de diálogo,é a capacidade de realizar atos e obras essenciais para o nosso país ! Afinal, todos fazemos parte de um mesmo barco,que furado ou não,precisa navegar,e para que isso aconteça,só dialogando! só respeitando a visão dos outros,e os que enxergam um pouquinho mais,nunca desistirem do diálogo,da construção ! Viver no Brasil é difícil mesmo!
não sabemos o que é respeitar leis,uma das coisas mais básicas para qualquer povo digno! e daí origina-se a filosofia do "jeitinho brasileiro",esta sendo hiper democrática,incluindo todas as classes sociais,de analfabetos a catedráticos.
Pra frente é que se anda! sejamos mais realizadores,começando... por... quem sabe...a respeitar leis ,levar à sério nossa carta magna,que diz que nenhuma criança pode ficar sem escola decente e sem vida digna...como disse o filósofo:
o que aconteceu com a raça humana,se até os animais irracionais demonstram ser mais empáticos do que nós!?
Nadia Stabile
São Paulo,29 de setembro de 2007


4 comentários:

  1. Olá Nádia, eu não li totalmente o texto escrito, e um pouco de seu comentário.... Mas acho que o texto abaixo combina bem com o texto...

    Um solo de guitarra e uma letra em inglês para nós, que somos tão brasileiros.
    Talheres de prata e um prato francês para nós, que somos tão brasileiros.
    Uma dor generalizada e traições sucessivas para nós, que somos tão brasileiros.
    Ídolos estrangeiros e modelos de corpo e beleza europeus para nós, que somos tão brasileiros.
    Armas importadas e perfumes da mesma maneira para nós, que somos tão brasileiros.
    Eletrônicos e brinquedos da China para nós, que somos tão brasileiros.
    Queijos e leite uruguaios e vinhos chilenos para nós, que somos tão brasileiros.
    Brasileiramente somos pele, cor e cheiro. Eu só não entendo o que afinal do Brasil nós queremos...
    Pois se o medo está na palavra ordem e o peso na palavra progresso...


    Escrito por Lindsay Gianoukas

    ResponderExcluir
  2. Acredito que o texto de Affonso Romano faz um alerta a todos nós brasileiros, um alerta para nosso desinteresse, comodismo....

    ResponderExcluir
  3. SOBRE A ORDEM E O PROGRESSO(lema de nossa bandeira) LEIAM:AUGUSTE COMTE e o positivismo.
    http://www.culturabrasil.org/comte.htm

    Sobre o texto de Lindsay Gianoukas,
    (que possue sobrenome de uma grande atriz brasileira,humorista)
    ela consegue retratar um grave problema de nosso povo subdesenvolvido! a nossa característica de considerar que tudo o que vem de fora,e se possível de países desenvolvidos é melhor do que as coisas daqui da gente!! e aí com isso passam a nem conhecerem e valorizarem nossos cientistas,nossa indústria,nossos artistas,nossa cultura e assim por diante!outro dia ouvi um grande artista nosso dizer que os norte americanos nunca tiveram algo parecido com o nosso Tropicalismo,e que o contrataram para fazer muitas apresentações de
    músicas do tropicalismo para que eles pudessem entender que coisa era aquela!!Resumindo o Brasil não conhece o Brasil!!

    ResponderExcluir
  4. ....completando!! por exemplo!
    se vc ou seus parentes já tomaram vacina contra a gripe!! poucos sabem deste porém! a vacina importada de Cuba é bem melhor do que a importada da França,mas mesmo que muitos saibam disto,não irão comentar,porque Cuba,além de não ser considerado um país desenvolvido ainda é socialista!!enquanto que dizer tomei a vacina francesa contra a gripe,aí todos se orgulharão de dizer!! França esteve no patamar de EUA aqui na mentalidade do
    brasileiro,antigamente!

    ResponderExcluir

LinkWithin

Related Posts with Thumbnails