sexta-feira, 23 de maio de 2008

LIBERDADE

EM ROUSSEAU

NO LIVRO "EMÍLIO"

Por Luiz Felipe Netto de Andrade

A educação natural de Rousseau é uma tentativa de mostrar como
as paixões, se liberadas da deformação provocada pela opinião social, po-
dem ser moralmente corretas. Se o Emílio, afirma Rousseau, é um tratado so-
bre a bondade natural do homem, esta bondade está fundada sobre a liber-
dade, e, sobretudo, sobre a liberdade das paixões.

PALAVRAS-CHAVE: educação, bondade natural, liberdade

Na Carta a Philibert Cramer, de 13 de outubro de 1764, Rousseau
sugere que a análise atenta de seu pensamento filosófico deve ser em-
preendida a partir da leitura do Emílio (Rousseau, 1929, p.339). Segundo
o autor, ele permite melhor compreender a ordem entre seus escritos e
alcançar os princípios fundamentais de seu “sistema”. Aceitando a in-
dicação e o desafio proposto, o presente artigo tem como objetivo re-
construir argumentos centrais desenvolvidos por Rousseau acerca da
constituição da noção de liberdade segundo o Emílio, isto é, segundo as
duas etapas que caracterizam o seu conteúdo, a educação pela liberdade e a educação para a liberdade.

A proposição que inicia o capítulo primeiro do Contrato Social, “o
homem nasceu livre e por toda parte se encontra sob grilhões” (Rous-
seau, 1964b, p.351), encontra o seu exemplo no Emílio. Nesse “romance
da natureza humana”, Rousseau tem como objetivo principal demons-
trar que o homem da natureza, “saindo das mãos do Autor das coisas”,
difere radicalmente do homem civil, que “nasce, vive e morre na escra-
vidão” (Rousseau, 1969a, p.63). Como se manifesta, pergunta o autor, a
liberdade natural do homem? No âmbito físico, ela se identifica com a
necessidade natural de movimento, cujos impedimentos à sua satisfa-
ção cria obstáculos ao desenvolvimento normal da criança e engendram
efeitos físicos nefastos. Se a liberdade é um bem e a necessidade de
movimento é a sua primeira manifestação, o uso “desnaturado” (déna-
turé) da mesma representaria um excesso condenável, pois toda justifi-
cação desta prática não passaria de raciocínios inúteis da nossa falsa
sabedoria jamais confirmados por nenhuma experiência. Nessa pers-
pectiva, pode-se afirmar que uma educação adequada é aquela que res-
peita a liberdade física da criança. Nas palavras de Rousseau:
Da multidão de crianças que, entre povos mais sensatos do que nós, são
criadas com toda a liberdade de seus membros, não se vê uma só que se fira ou
se mutile; não dariam a seus movimentos a força que pudesse torná-los perigo-
sos e, quando assumem uma posição violenta, a dor logo as adverte de que de-
vem mudá-la. (Rousseau, 1969a, p.255-56)
Esta liberdade de movimento deve ser preservada quando a criança
cresce, uma vez que os seus efeitos serão benéficos para o desenvolvi-
mento de seu corpo (Rousseau, 1969a, p.278). Quando a criança conclui
alguns progressos e as suas faculdades estão finalmente desenvolvidas,
alcançando o estágio em que deveremos considerá-la um ser moral, sua
verdadeira liberdade, segundo Rousseau, ultrapassa a liberdade inicial
de movimento e se transforma numa liberdade da vontade. Mais exata-
mente, a criança é livre quando é capaz de realizar a sua vontade. Mas o
que significa afirmar exatamente “fazer a sua vontade” (faire sa volonté)?
É, segundo o autor, ser capaz de bastar a si mesmo sem apresentar nenhu-
ma dependência externa: “O que faz a sua vontade é aquele que não precisa
para tanto colocar o braço de outrem na ponta dos seus. Segue-se daí que o pri-
meiro de todos os bens não é a autoridade, mas a liberdade. O homem verda-
deiramente livre só quer o que pode e faz o que lhe agrada. (Rousseau, 1969a,
p.309)
Se tal é a autêntica manifestação da liberdade, só o homem da na-
tureza pode ser livre, pois tem forças suficientes para satisfazer as suas
necessidades. Da sua fraqueza, a criança não goza da mesma vanta-
gem, suas necessidades ultrapassam sempre as suas forças. Ela só po-
de, desse modo, usufruir “de uma liberdade imperfeita, semelhante
àquela que gozam os homens no estado civil” (Rousseau, 1969a, p.310).
Algumas crianças, porém, não parecem nem mesmo atingir esta liber-
dade imperfeita e vivem, por isso, numa espécie de escravidão em rela-
ção às suas necessidades e paixões. Mas este fenômeno não pode ser
atribuído à natureza, a servidão que dela decorre é fruto de uma educa-
ção deficiente que não soube

“distinguir com cuidado a verdadeira necessidade, a necessidade natural,da necessidade de fantasia que começa a nascer” (Rousseau, 1969a, p.312),

acostumando a criança ao
péssimo hábito de tudo adquirir sem nenhuma reserva.
No indivíduo humano que alcançou o estágio consciente e moral de
seu desenvolvimento, a experiência da falta e do remorso seria, na visão
de Rousseau, uma prova irrefutável da liberdade da vontade. É o que
nos ensina o vigário em sua profissão de fé: “Quando me entrego às ten-
tações, ajo conforme o impulso dos objetos externos. Quando me censu-
ro por tal fraqueza, só ouço a minha vontade; sou escravo por meus ví-
cios e livre por meus remorsos; o sentimento de minha liberdade só se
apaga em mim quando me depravo e enfim impeço a voz da alma de se
elevar contra a lei do corpo” (Rousseau, 1969a, p.586). Se do ponto de
vista da essência, todavia, a liberdade da vontade é absoluta, do ponto
de vista da existência, porém, ela não é exercida plenamente e pode
mesmo desaparecer. De fato, na sua efetividade a vontade encontra no-
vos obstáculos. São os elementos que constituem as necessidades e de-
sejos dos indivíduos. O homem realmente livre faz tudo o que lhe agrada
e convém, basta apenas deter os meios e adquirir a força suficiente para
realizar os seus desejos. “Quem faz o que quer, diz Rousseau, é feliz
quando basta a si mesmo” (Rousseau, 1969a, p.310). Esta auto-suficiên-
cia, assegurada ao homem no estado de natureza, é destruída pela so-
ciedade corrompida que multiplica os desejos tornando-os ilimitados. A
sociedade cria, assim, necessidades artificiais que Rousseau chama de
fantaisie (Rousseau, 1969a, p.312). Qual liberdade poderia existir quan-
do o homem, cujas forças são limitadas, se vê impotente diante das pai-
xões de seus desejos? Ele pode, certamente, superar as suas forças com
as forças dos outros; essa solução, no entanto, tem um alto preço, equi-
vale a encontrar uma saída na própria servidão. Querer satisfazer suas
necessidades artificiais significa submeter-se inevitavelmente à vontade dos outros. Esta lógica da dependência, alerta Rousseau, é habilmente explorada pelos governos constituídos (Rousseau, 1964a, p.7, nota).(...) CONTINUA EM :
http://www.scielo.br/pdf/trans/v28n1/29409.pdf.
*SOBRE O LIVRO "EMÍLIO" DE J.J.ROUSSEAU : http://www.cfh.ufsc.br/~wfil/emilio.htm

*OBRAS DE J.J.ROUSSEAU ON LINE :http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/PesquisaObraForm.do?select_action=&co_autor=164

*LIVRO EBOOK "EMÍLIO" J.J.ROUSSEAU

http://pt.wikipedia.org/wiki/Em%C3%ADlio%2C_ou_Da_Educa%C3%A7%C3%A3o

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