quarta-feira, 19 de março de 2008


















Olumello,
a vida sobre
traços e sonhos
(*)(destaco o que Olumello diz sobre Rui Barbosa)


Brasília, 26/3/07 - Uma geometria humana ou um homem geométrico. Não sei bem qual a melhor expressão para definir o artista plástico Olumello. Talvez a geometria humana é o que percebo em suas obras - algumas delas emolduradas nas paredes da casa; e o homem geométrico é o que me responde as perguntas com a fala pausada, frases curtas, mas fortes e precisas, acompanhadas de um breve sorriso como ponto final.


A geometria que está na alma e nos desenhos do artista esteve primeiro na profissão. Um grande desenhista, apesar de não ter feito curso superior, veio de sua cidade natal, o Rio de Janeiro, para trabalhar na construção da nova capital federal em 1958. "Eu fui aprovado num concurso para Desenhista da Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil, vim pra Brasília e não voltei mais", conta ele.

Deixar o Rio e vir para "o meio do nada" foi uma atitude muito criticada por seus amigos. "Diziam que eu era louco, mas eu não podia perder a oportunidade de trabalhar com o melhor arquiteto do mundo", lembra o desenhista. Além de trabalhar com Oscar Niemeyer, Olumello trabalhou com Lúcio Costa e com Roberto Burle Marx. "Nós estávamos construindo a cidade mais moderna do mundo. Acho que Lúcio Costa nasceu 200 anos antes do seu tempo", comenta. Depois, mostra-me um livro escrito pelo próprio Niemeyer, em que o arquiteto, ao contar sobre as cantorias que faziam na capital ainda em construção, cita o bom samba no pé de Willy.

Olumello é o nome artístico de Willy Bezerra de Mello. Quando pergunto o porquê de seu nome artístico, ele me conta a história dos filhos. "Tenho cinco filhos e a todos eles dei nomes africanos". Kênia, Mali, Luena e os gêmeos Ialê e Kwame. "Aí eu fiquei com inveja dos meus filhos, por eu ter esse nome gringo, e resolvi me chamar Olumello", explica. Olumello significa "Seu Mello", na língua iorubá, falada em algumas regiões da África, como a Nigéria.


(*)Apesar de não ter ido nenhuma vez à África, o artista diz que ainda tem o sonho de um dia visitar o continente de seus antepassados. Perguntado se ele sabe de que povo ou país africano descende, responde que não. "Eu te digo o motivo. Porque nós tivemos um político, de nome Rui Barbosa, que queimou todos os registros dos nossos antepassados, alegando que a escravidão era uma mancha na história brasileira e precisava ser apagada", diz ele, com a indignação explícita nos olhos.

O interesse por suas raízes é um traço que se nota marcante na história de vida do artista. Desde jovem, começou a militar no Movimento Negro, fundando, em 1953, no Rio, o Grupo Palmares. Ele e a namorada Lydia Garcia, com quem se casaria em Brasília, reuniram um grupo de jovens negros para saírem juntos, conviverem, tamanha era a discriminação que sentiam na sociedade carioca. "Na época, era um choque ver seis, sete casais negros indo ao cinema juntos", conta. Mais tarde, o Grupo Palmares foi incorporado ao Clube Renascença, um clube criado só para os negros, por causa da discriminação racial dos outros clubes.

Quando veio pra Brasília, mesmo não estando filiado a nenhuma entidade, sua luta pela valorização da cultura negra continuou. Em 1981, Olumello e Lydia participaram da primeira subida a Serra da Barriga, em União dos Palmares, Alagoas, onde ficava o famoso Quilombo dos Palmares. O surgimento da Fundação Cultural Palmares foi resultado da luta do movimento negro de que participou Olumello.

Hoje, com 72 anos, o desenhista continua militando por meio da arte. "Fui deixando a prancheta aos poucos; foi um processo bem natural", explica ele. Olumello faz desenhos com bico de pena, tinta acrílica e também colagens. "Eu faço desenho geométrico abstrato", analisa. Mas é uma geometria quente; consegue transmitir facilmente a sua origem africana. Não só pelos desenhos que faz das mulheres africanas, mas também pelas cores utilizadas nos desenhos e nas colagens.

Quando pergunto se ele emoldura todas as obras que produz, Olumello me mostra o volume de trabalhos guardados num armário. "Como eu poderia emoldurar tudo isso?", indaga. O artista tem, inclusive, um acervo no Museu Afro Brasil, fundado há dois anos por Emanuel Araújo, em São Paulo. Apesar da inegável originalidade e beleza de sua arte, Olumello se revela um tímido. "Eu não exponho muito as minhas obras, porque eu não sei vender meu peixe. Eu desenho por prazer", confessa.

A idade avançada não tirou o brilho dos olhos de Olumello quando defende as políticas de promoção da igualdade racial, como as cotas. "Nós não estamos recebendo favor nenhum. Eu só quero que se lembrem da história da Mãe Preta: "só quero meu leite de volta, que o branco mamou sempre". É um direito meu", afirma. O artista também defende mudanças na educação, ressaltando a importância do negro na história do Brasil. "A nossa história precisa ser reescrita. O menino negro não tem um herói negro. Vai se orgulhar de quê?", questiona.

Olumello, tímido e ousado, geométrico e humano, é uma personalidade que merece ser valorizada e conhecida por tanto contribuir com a arte e a cultura afro-brasileira. Agradecida pela conversa, deixo a casa onde mora esse grande artista e desenhista negro, com a sensação de ter conhecido um pedacinho da África.

Por Marília Matias de Oliveira, Especial para o Portal Palmares
(
veja a galeria de fotos Obras de Olumello)
http://www.palmares.gov.br/005/00502001.jsp?ttCD_CHAVE=272
(*) nota de Nadia Stabile

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