A FERRO E FOGO - A História e a Devastação da Mata Atlântica Brasileira, de Warren Dean, mergulha no nosso passado colonial, imperial e republicano, para mostrar, do ponto de vista da vítima, isto é, da mata atlântica, como os exportadores e os supostos desenvolvimentistas de sempre, sejam os exploradores de pau-brasil, os monocultores de cana-de-açúcar e de café, os mineradores de ouro, os fazendeiros do cacau, da pecuária, da soja, os grileiros de terras e os madeireiros, todos incendiários da mata virgem, enfim, desde o latifúndio escravista até o agro-negócio moderno, exploraram a floresta tropical da maneira mais bruta e desperdiçadora. Até para o consumo doméstico de lenha e carvão se derrubava madeira de lei. A floresta litorânea era como um inimigo verde a ser incendiado, para ser transformado em monoculturas de exportação. Hoje só restam sete por cento da floresta atlântica admirada por Pero Vaz de Caminha.

E ainda surge o Projeto de lei 3.057/2000, sobre parcelamento e uso do solo, que pretende regulamentar loteamentos e assentamentos urbanos clandestinos, e passar por cima da legislação ambiental, criando facilidades aos devastadores de sempre. O projeto permite loteamentos de várzeas alagadiças e inundáveis, bem como construções em topo de morros e penhascos de 45 graus de inclinação, que são áreas de preservação permanente, conforme o Código Florestal. Dispensa a manutenção de quaisquer das áreas de preservação permanente (APP),previstas no Código Florestal, no caso de "regularização fundiária urbana",isto é, favelas e outras ocupações irregulares. Dá amplos poderes aos municípios, em desfavor do CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente)e órgãos estaduais e federais da área, e admite a supressão de vegetação de APP, inclusive em áreas de proteção de mananciais, em área urbana consolidade, para fins de regularização fundiária. É mais um golpe para esvaziar a legislação ambiental, certamente em nome do "progresso" urbano, do caos das megalópoles brasileiras.

Depois de quinhentos anos de destruição da mata atlântica, intensificada, no último século, por moto-serras e tratores, presenciamos agora o aperfeiçoamento dos métodos de destruição das florestas amazônicas e também, no Brasil central, do cerrado, este com pouco glamour publicitário.

Já foi aprovada a lei de gestão de florestas públicas, que permite o arrendamento por quarenta anos, prorrogáveis por mais quarenta, dos latifúndios florestais da Amazônia. Tudo regulamentado no papel, os novos madeireiros legais poderão fazer o manejo da derrubada de madeiras de lei, para consumo interno e externo. É de perguntar como o IBAMA ou o Serviço Florestal vão arranjar funcionários incorruptíveis, intimoratos e sobretudo ubíquos, para fiscalizar a floresta arrendada, em que o prudente empresário exportador se contentará em derrubar uma árvore de determinada espécie, a cada vinte cinco anos, em respeitosa obediência aos longos prazos da natureza. Será mais uma lei para não ser cumprida, tal como as cartas régias coloniais que protegiam os indígenas do genocídio ou regulamentavam o monopólio do pau-brasil e o cultivo da cana-de-açúcar.

Há ambientalistas que defendem a Lei de Gestão das Florestas Públicas, como um mal menor, ou solução inevitável. E que garante que o mal será menor, e não maior. Quem garantirá o acordo de cavalheiros com os madeireiros exportadores, cujo objetivo é o lucro e não a defesa da biodiversidade florestal.

A Amazônia tem sido incendiada em 25.000 km2,por ano. Os grileiros de terras, os madeireiros ilegais, os mineradores, os criadores de boi e os plantadores de soja são os bandeirantes modernos, tão brutais quanto os antigos, e mais eficientes que aqueles em métodos e máquinas de destruição.

A ideologia de que "exportar é a solução", ou "exportar é o que importa", como dizia Delfim Netto nos tempos da ditadura militar, continua a imperar como a razão de ser do país,do Estado, do povo, da burguesia governante, tal como já era nos tempos coloniais do pau-brasil, do açúcar, do ouro, do café, e mais recentemente, dos minérios, da borracha, do boi, do algodão, da soja. O paradigma colonial ou neocolonial é o mesmo. Exportar matérias-primas e commodities agrícolas.

Exportações são necessárias. As trocas comerciais existem desde os primórdios da humanidade, e a lei das vantagens comparativas tem lá sua eficácia. Mas o problema é o monopólio de poder dos que decidem que o único que importa é exportar. Em nome disso se destruiu a mata atlântica e já se está destruindo a floresta amazônica e também o primo pobre dos cerrados. É preciso mudar de paradigma. A diversidade biológica da natureza tropical é um bem incomensurável a ser defendido contra a pressa do lucro imediato, contra o desperdício do consumo de necessidades artificiais, contra o economicismo de tecnocratas de gabinete, ou o oportunismo de governantes irresponsáveis. A Terra está acima do lucro, a cor cinza do asfalto não substitui o verde da clorofila, o dióxido de carbono não pode sufocar o oxigênio.


(retirado do site "Mídia Independente")